Existe vida após o trabalho análogo ao escravo a702b

Pensar em escravidão em 2022 parece algo distante, mas não é essa a realidade. Em Mato Grosso, ainda há quem viva situação semelhante. A reconstrução da vida depois de ser resgatado do trabalho análogo ao escravo é o principal desafio vivido por muitos trabalhadores no Estado. E sim, é possível de ser superado.

Joecil Benedito da Silva, 39 anos, e Wellington Santos da Silva, 20, são dois exemplos de resgatados que conseguiram romper esse ciclo e atualmente exercem suas profissões em condições dignas. Em comum, ambos tiveram a oportunidade de qualificação.

Nesta sexta-feira, 28 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e Dia do Auditor-Fiscal do Trabalho.

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Condições insalubres de trabalhadores resgatados em Mato Grosso. (Foto: Divulgação)

Trabalho análogo ao escravo 5i2012

Como outras vítimas, Wellington e Joecil foram alvos fáceis de ‘gatos’, como são chamados os aliciadores de trabalhadores. Ambos desempregados e precisando de dinheiro para pagar as contas. O primeiro ainda tinha, na época, um filho de 6 anos para sustentar.

No caso de Joecil, que vivia em Rosário Oeste, o trabalho era em uma fazenda de biodiesel perto de Nova Mutum, a 269 km de Cuiabá, com promessa de carteira assinada, em 2008. Já Wellington caiu na armadilha em julho de 2019, quando morava em Barra do Bugres. A vaga era para a construção de um aviário em Tangará da Serra, a 242 km da Capital, também com carteira assinada.

Os dois foram enganados. Foram submetidos a alojamentos precários, sem qualquer segurança, em condições insalubres, e sem a sonhada carteira assinada. Na obra do aviário, por exemplo, os trabalhadores sequer tinham o a água potável.

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Poço artesiano em obra de aviário em Tangará da Serra (Foto: Divulgação)

“Cheguei lá já de noite. Eu fui mais pelas condições que me prometeram. Eu fui pensando que era uma coisa e quando cheguei, vi que era outra”, relatou Wellington. As condições financeiras, entretanto, fizeram ele continuar. “Eu sabia que estava errado, mas precisava do dinheiro e por isso fiquei”, disse.

Chefe da Fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho, Valdiney de Arruda explica o impacto dessas péssimas circunstâncias na saúde e dignidade dos funcionários. “O ser humano recupera energia, força e vitalidade basicamente descansando e se alimentando. Nesses dois casos específicos, não foram oferecidas essas condições”.

A qualificação 1j5t1i

ada a fase do resgate e dos acertos trabalhistas, com pagamento de verbas devidas pelos empregadores, Joecil e Wellington tiveram a oportunidade de escolher uma qualificação por meio do projeto Ação Integrada, iniciativa do Ministério do Trabalho, MPT (Ministério Público do Trabalho) e UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).

Os dois optaram pelo curso de operações de máquinas agrícolas, e foram para Cuiabá para se dedicarem exclusivamente à qualificação, que durou quase três meses. Era o recomeço.

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Joecil Benedito da Silva é exemplo de superação após resgate de trabalho análogo ao escravo. (Foto: Arquivo pessoal)

“Nunca mais fiquei desempregado e nunca mais fui aliciado”, afirma Joecil. ada a qualificação, voltou para Rosário Oeste. Um mês depois, conseguiu emprego numa construtora, onde trabalhou por cinco anos. Foi dispensado, mas em uma semana estava empregado novamente.

“Hoje tenho uma vida mais tranquila, graças a Deus. Posso manter minha casa, minha família. Não amos necessidade e tenho as minhas coisas, uma casinha boa, um carro. Existe vida depois do trabalho escravo. Esse curso mudou minha vida, minha história”.

Já Wellington retornou para Barra do Bugres, mas não teve um retorno positivo imediato. Infelizmente, não conseguiu vaga na qualificação concluída porque empregadores exigiram experiência. Mas havia solução, e ela estava no município de Sorriso. O jovem trabalha há quase um ano como soldador, com carteira assinada, em uma empresa de silos e armazém.

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Wellington da Silva fez o curso de operador de máquinas. (Foto: Divulgação)

“Essa qualificação ajudou a mudar a vida, teve a informática, teve o curso em si, o fato de conhecer a cidade, de conhecer mais gente. Tenho algumas amizades do curso até hoje. E pretendo conquistar um emprego como operador de máquinas porque é um sonho meu”, disse. Ele também quer fazer, no futuro, a graduação no curso de agronomia.

Resistência ao resgate 463z1m

O resgate nem sempre é visto de forma positiva por quem está sendo retirado daquela situação, muito em função de preocupações financeiras das vítimas.

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Trabalhadores qualificados por meio de projeto. (Foto: Arquivo pessoal)

“Posso dizer que 99% dos trabalhadores resgatados pela primeira vez entendem que a polícia e os auditores-fiscais estão prejudicando-os, porque consideram aquela a oportunidade que eles têm de trabalhar”, explica Pablo Friedrich, agente de ação social do Ação Integrada em Mato Grosso.

O próprio Wellington conta que vivenciou um misto de emoções ao ver a fiscalização chegar na obra do aviário. “Eu senti alívio, mas depois fiquei preocupado porque ia ficar sem trabalhar”, relembra.

Isso sem contar que, submetidos durante muito tempo a situações degradantes, boa parte desses trabalhadores encara as condições indignas como “naturais”.

“O pensamento é: ‘Pelo menos estamos recebendo algo, não é muito diferente da minha casa’. É preciso descontruir isso”, disse Valdiney.

Pós-resgate e Ação Integrada 1e306v

O Ação Integrada nasceu em 2009 em Mato Grosso com um objetivo claro: romper o ciclo de reincidência de trabalhadores submetidos ao trabalho análogo ao escravo, por meio de oportunidade e qualificação. As ações do projeto são mantidas com recursos de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) oriundos do MPT e Justiça do Trabalho.

“Havia muitos trabalhadores que eram resgatados mais de uma vez. Ou seja, se submetiam a essas condições por mais de uma vez. Era preciso quebrar isso”, explica Pablo.

Na prática, o que acontece é que após o resgate e acertos trabalhistas, os integrantes do Ação Integrada fazem a abordagem para traçar o perfil socioeconômico dos trabalhadores resgatados, identificando o que eles desejam.

Os cursos não são fixos, e geralmente atendem à demanda dos resgatados. Os mais procurados atualmente são o de operação de máquinas agrícolas, os relacionados à construção civil e os de culinária. As qualificações duram, em média, três meses.

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Joecil Benedito da Silva atualmente trabalha como motorista. (Foto: Arquivo pessoal)

A ideia é trabalhar tanto na repressão, fazendo flagrantes e punindo os responsáveis em conjunto com os órgãos responsáveis, quanto na prevenção. “Por exemplo, atuamos com filhos de trabalhadores e parentes de trabalhadores que já foram resgatados, para prevenir que também caiam nesse ciclo”, diz Pablo.

Atualmente, a maior parte dos trabalhadores resgatados fica num alojamento em uma fazenda experimental da UFMT em Santo Antônio do Leverger, a 35 km de Cuiabá. Lá, eles recebem quatro refeições, kit higiene, local para dormir. E um salário mínimo, a fim de que possam aliviar a condição financeira da família, fazendo com que eles fiquem focados tão somente em fazer a qualificação.

Porém, o Ação Integrada avalia que qualificar o trabalhador é apenas uma parte do que precisa ser feito. “Entendemos que a elevação de escolaridade e o empoderamento, principalmente de conhecimento sobre os próprios direitos, conhecimentos jurídicos, valem até mais que a qualificação”, diz Pablo.

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Wellington na época em que fez curso de operador de máquinas agrícolas. (Foto: Arquivo pessoal)

Entre 2009 e 2021, foram abordados pelo projeto 2.786 trabalhadores, dos quais 984 foram qualificados em 62 cursos.

O objetivo principal, de sair do círculo vicioso do trabalho análogo ao escravo, tem sido cumprido.

“O índice de reincidência era muito alto. Mantinha-se essa vulnerabilidade porque não tinha essa capacitação. E para eles, era natural essa situação degradante, muitos só depois perceberam isso. Depois do projeto, não soubemos mais de pessoas que tenham se submetido a trabalho análogo escravo”, disse Valdiney, um dos auditores-fiscais que idealizou o Ação Integrada.

Lista suja e panorama atual 5i3y5b

A faixa etária média das pessoas em situação de trabalho análogo ao escravo é de 17 a 34 anos em Mato Grosso. A maioria dos egressos é formada por homens, mas há mulheres resgatadas também.

Desde 1995, auditores-fiscais do Trabalho resgataram 6.177 trabalhadores no Estado. Somente no ano ado, foram 18 pessoas, em 21 fiscalizações. No Brasil, 1.937 pessoas foram resgatadas em 2021, em 443 ações fiscais em todos os estados.

As empresas flagradas sofrem processo istrativo interno de validação do auto de infração no âmbito do Ministério do Trabalho. Finalizada essa etapa, vão para o Cadastro de Empregadores do Governo Federal que submeteram pessoas ao trabalho análogo ao escravo, conhecido como “lista suja”. Com isso, ficam proibidos de pegarem recursos de bancos oficiais, por exemplo. E já há bancos privados que adotam a mesma conduta.

Os empregadores ficam dois anos na lista. Após esse período, são submetidos a nova ação fiscal. Se ficar comprovado que ainda há irregularidades, os nomes permanecem no cadastro.

As empresas flagradas submetendo funcionários a essas condições também ficam sujeitas a reparar danos morais, coletivos, individuais, e podem ser alvos de ações civis, por parte do MPT, e penais, conduzidas pelo MPF (Ministério Público Federal).

Comentários (1) 1my5l

  • Pablo Friedrich

    O empoderamento desses trabalhando é fundamental para que não ocorra o seu aliciamento, bem como a sociedade ter conhecimento da existência dessa exploração para que possa denunciar e assim salvar vidas.

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