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9 dias de farsa: a incrível história do falso juiz que enganou Porto Murtinho 3y3563

Tudo aconteceu em 1958. Um tempo em que processos eram feitos praticamente à mão e que Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso 1455d

Tem história que parece mais roteiro de novela. Hoje, a Capivara Criminal lembra uma das mais extraordinárias histórias vividas em Mato Grosso do Sul: o golpe dado por Salvador Pacheco, o homem que por nove dias foi juiz de Porto Murtinho, sem nunca ter sido nomeado para isso.

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Posse de Salvador Pacheco, em outubro de 1958 (Foto: Retirada do processo)

Talvez você já tenha lido ou ouvido sobre a aventura do falso juiz em terras sul-mato-grossenses, mas quando mergulhamos nos detalhes, tudo se torna ainda mais inacreditável.

Para te contar essa história, preciso te transportar para outubro de 1958. Um tempo em que processos eram feitos praticamente à mão e que Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso.

Porto Murtinho, palco de todo o drama, ficava então a 1.088 quilômetros da capital do estado, Cuiabá.

No dia 20 daquele mês, pousou na pequena cidade um avião da empresa “Real Aérovias” e dele desceu um homem pomposo, que foi até o fórum e se apresentou como o mais novo juiz substituto de Porto Murtinho. Salvador Pacheco contou que foi nomeado pelo governador do estado e, para não deixar dúvida, comandou a organização de sua posse oficial.

O evento acontece logo no dia seguinte, 21 de outubro de 58, no Clube dos Caiçaras. Convites oficiais foram distribuídos, autoridades e pessoas influentes da cidade entraram na lista de convidados e, na tarde da data marcada, a posse foi realizada.

Salvador foi recebido com discursos entusiasmados do prefeito, do representante do Ministério Público e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Falou sobre seu compromisso com a cidade, virou notícia no jornal local. Com tudo regularizado, começou a trabalhar: marcou sorteio de jurados para um Júri Popular do mês seguinte e começou a despachar processos.

Para isso, chegou a pedir ajuda.

Procurou um dos advogados da cidade e, explicando que era recém-formado, sem muita experiência, pediu ajuda para entender o seu trabalho. Os dois aram o dia no escritório do profissional, fazendo juntos as decisões de um juiz.

Até aí, tudo estava normal. Ninguém desconfiava de Salvador, afinal, ele se portava como um verdadeiro juiz e os pedidos de ajuda soavam normais, já que cumpria as suas obrigações como magistrado da cidade.

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Posse de Salvador Pachedo, o falso juiz de MS (Foto: Retirada do Processo)

Mas tudo mudou no dia 29 de outubro. O dia começou com Salvador procurando (e conseguindo) uma viatura emprestada da 2ª Companhia de Fronteira. Com o carro oficial do Exército nas mãos, correu para o Fórum, avisou que foi convocado pelo governador e que, por isso, precisava pegar a estrada de noite, com urgência. Pediu ainda duas armas para sua segurança.

Foram entregues a ele dois revólveres calibre 38, um legalmente, o outro, nem tanto, já que o registro não foi feito por conta da pressa. Saindo dali, Salvador voltou a procurar o amigo advogado.

No escritório do profissional, contou da convocação urgente e que foi pego desprevenido, não tinha dinheiro para fazer a viagem e por isso pediu ajuda de novo: um empréstimo de 5 mil cruzeiros. O advogado acreditou em cada palavra (afinal, tinha um veículo do Exército parado na sua porta) e ainda aconselhou: “Com 5 mil cruzeiros você não chega nem na metade do caminho até Cuiabá”.

Salvador pediu o dobro, 10 mil cruzeiros, e recebeu o dinheiro de bom grado, garantindo que pagaria de maneira parcelada, com seu salário de juiz.

Deixou a cidade naquele mesmo instante e no dia seguinte a verdade veio à tona: Salvador Pacheco nunca foi nomeado juiz, não ava de um impostor, de um vigarista, como foi chamado por várias vezes mais tarde.

Diante da notícia alarmante, novos golpes foram descobertos: Salvador não havia pago nem a pousada em que ficou e, antes de fugir, ainda pediu emprestado outros 10 mil cruzeiros a um comerciante da cidade.

Para a segunda vítima, Salvador contou que seria padrinho de um casamento no Nordeste e precisava do dinheiro para fazer a viagem. Também garantiu que pagaria tudo com o seu salário de juiz. Para a polícia, naquela época, o homem contou que até ficou receoso, mas não podia dizer não para o juiz da cidade né? Emprestou o dinheiro e ficou no prejuízo.

Enquanto a informação se espalhava, a polícia descobriu que o falso juiz havia feito uma parada em Jardim depois de deixar a cidade e que lá, também enganou o comandante da Comissão de Estradas de Rodagem nº 3, uma organização militar do Exército Brasileiro, e conseguiu uma nova viatura antes de pegar estrada rumo a Aquidauana.

Salvador foi interceptado em Nioaque. Preso pelos golpes e “sentenciado” a ser levado para Campo Grande, onde aí sim, pagaria pelos seus crimes.

Foi colocado em um trem, escoltado por policiais, mas em uma parada da locomotiva, entre Aquidauana e Campo Grande, ele fugiu. É isso mesmo, ele conseguiu distrair os seus “seguranças” e pulou do trem. Conseguiu escapar e nunca mais foi encontrado.

O processo contra Salvador continuou. Todas as testemunhas foram ouvidas, o Ministério Público pediu sua condenação e ele até se manifestou, mas era melhor não ter feito. Nas duas ocasiões em que respondeu à Justiça de Porto Murtinho, informou que não poderia ir de um jeito bem peculiar:

“Desmoralisada justiça mato grossense impossível presença julgamento, fica outra oportunidade. Abraços Dr. Salvador Pacheco”

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“Impossível minha presença julgamento pois tenho outros compromissos. Dr. Salvador Pacheco”

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Enquanto isso, a defesa de Salvador alegou que ele não havia cometido crime algum. Que o que aconteceu, na verdade, foi um “cochilo das autoridades locais, em aceitarem um indivíduo chegar na Comarca dizendo haver sido nomeado juiz de direito substituto pelo Excelentíssimo Dr. Governador do Estado, sem exigir nenhuma credencial.”

Ainda assim, Salvador foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão e ao pagamento de multa de 2 mil cruzeiros, além das custas do processo e da taxa penitenciária no valor de cem cruzeiros. Mas pena nenhuma foi cumprida. O falso juiz nunca foi, de fato, encontrado, e em 1974 o processo foi arquivado sem sucesso nenhum.

É ou não é roteiro de novela da Globo?

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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