Daqui uns dias, quando o Brasil estará de folga para o feriado de Tiradentes, vai completar três anos do sumiço escandaloso de um criminoso contumaz, no entendimento das instâncias policiais e da justiça brasileira. Era quarta-feira, 22 de abril de 2020, quando foi percebida, em Campo Grande, a fuga de Gerson Palermo, 65 anos, condenado a mais de um século de reclusão, por tráfico de drogas e crimes conexos, ocorridos em Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná e outros estados.
No terceiro aniversário do desaparecimento do condenado – um dos muitos na trajetória de “Pigmeu”, “Germano” ou “Italiano” – não há sinais dele. Nem resultado da apuração de responsabilidades pela libertação de alguém com tantas dívidas ainda a pagar com a sociedade.
Ná decada de 1990, Gerson Palermo já era procurado. (Foto: reprodução de jornal da época)
Palermo tem anotações de infrações penais desde 1991, mais de 30 anos portanto de vida à margem das leis. No currículo de bandidagem, destaca-se a participação do sequestro de um avião no Paraná, em agosto do ano 2000, para roubar mais de R$ 5 milhões, transportados no porão de um Boeing da extinta Vasp. Havia 61 pessoas na aeronave. Ninguém ficou ferido.
ageiros deixam avião sequestrado, em crime do qual Palermo participou. (Foto: reprodução da internet)
Experiente em pilotagem, foi preso dias depois na avenida Paulista, em São Paulo (SP), com maços de dinheiro. Recebeu condenação a duas décadas de reclusão da Justiça Federal.
Facção criminosa 5r6862
É tido, ademais, como integrante de facção criminosa à qual se atribui o comando da criminalidade na fronteira entre Brasil e Paraguai, e que está em expansão, com escritórios até na Europa, a custo de aliciamento de jovens, exploração do comércio de entorpecentes e de armas, golpes de todo tipo e de um rastro de sangue das execuções de inimigos e “indisciplinados”.
No caminho da liberdade clandestina de Palermo está uma decisão liminar concedida pelo desembargador sul-mato-grossense Divoncir Schreiner Maran, no plantão do judiciário. O despacho de segundo grau acatou argumento da defesa de que Palermo tinha saúde frágil e corria risco de se contaminar pela covid-19, no maior pico da pandemia.
Em primeiro grau, o juiz da execução penal havia excluído o apenado da liberação de presos para prevenção ao coronavírus, depois de triagem. Considerou justamente a ótica de se tratar de um cidadão perigoso para estar nas ruas.
A única condicionante imposta na liminar conseguida em segundo grau foi o monitoramento por tornozeleira eletrônica. O equipamento foi instalado em 22 de abril de 2020, pela manhã. Oito horas depois, quando a central de monitoramento identificou o rompimento, os policiais só acharam a tornozeleira danificada na casa de Palermo, em Campo Grande.
No dia seguinte, o desembargador Jonas Hass Silva Junior reverteu a medida beneficiando o criminoso, mas já não havia mais sentido. “Pigmeu” estava longe.
Gerson Palermo em registro da ficha penitenciária. (Foto: Reprodução de processo)
Sua prisão foi decretada, mas a ordem segue em aberto até hoje no Banco Nacional de Mandados, onde se consulta se uma pessoa tem restrições de liberdade no Brasil.
“O veredito proferido em sede de liminar, pelo Desembargador Divoncir Schreiner Maran, não se encontra amparado pela Lei ou pela Recomendação 62/2020 do CNJ”, escreveu à época o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), em manifestação contrária concessão favorável a Palermo, quando ele já estava fora do alcance das autoridades.
Citada no texto do órgão ministerial, a recomendação 62 do CNJ recomendava o esvaziamento das cadeias como medida de controle da pandemia no ambiente carcerário, porém não valia para acusados com uma ficha como a de Gerson Palermo.
Uma das principais críticas à liminar deferida residiu no fato de que não se tratava de análise cabível em um plantão, e que o desembargador sequer era da área criminal. Divoncir atua em seções da área civil. Além disso, a promotoria acusou o desembargador de queimar etapas no processo judicial, pois a situação não havia sido analisada pelo juiz de piso.
Obviamente, formou-se um escândalo no meio policial e judiciário, diante da soltura, ainda que sob vigilância eletrônica, que se revelou impossível de conter o beneficiado.
A Corregedoria Geral de Justiça, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pediu informações ao TJMS sobre as circunstâncias da liberação de Gerson Palermo pela porta da frente do EPSM (Estabelecimento Penal de Segurança Máxima de Campo Grande). O anúncio foi em 24 de abril de 2020.
Mais à frente, o juiz Rodrigo Pedrini, de Três Lagoas, apresentou reclamação disciplinar ao órgão fiscalizador da atuação judicial, apontando irregularidades na conduta do desembargador. As duas providências foram convertidas em sua só.
Tal apuração também está por completar três anos, sem desfecho. O CNJ ainda não avaliou se a situação envolvendo a saída de Gerson Palermo da cadeia merece abertura de PAD (Processo istrativo Disciplinar) contra o Divoncir Maran.
Esse expediente é o mesmo usado para aplicar à desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges a punição máxima prevista para magistrados que ferem as regras éticas da magistratura, a aposentadoria compulsória. Tânia recebeu essa pena por usar o cargo para interferir em nome do filho, preso por tráfico de drogas. Em relação à desembargadora aposentada, o CNJ aplicou afastamento preventivo, em outubro de 2018, e concluiu o julgamento três anos depois.
“A defesa aguarda decisão reconhecendo o que é justo: arquivamento; porque nada houve de irregular ou ilícito do ponto de vista ético”, declarou à coluna o advogado André Borges, representante do desembargador Divoncir no CNJ.
No final dos anos 2000, o magistrado chegou a ser investigado pelo órgão, por enriquecimento ilícito, procedimento cuja conclusão foi o arquivamento.
Não foi possível localizar os advogados de Gerson Palermo. Em outubro do ano ado, em ação penal na 3ª Vara Criminal da Justiça Federal, ele foi inocentado da acusação de lavagem de capitais, pelo juiz Bruno César Teixeira.
Conforme a denúncia do MPF (Ministério Público Federal), Palermo e a esposa usaram a conta de uma prestadora de serviço, uma podóloga, para esconder dinheiro originado da narcotraficância de drogas.
“Em resumo, não restou demonstrada a vinculação dos recursos movimentados com GERSON PALERMO, muito menos com as atividades de narcotraficância por ele desenvolvidas. Sob ângulo da acusação, todos os feitos, mas em especial os que se relacionam ao crime de lavagem, demandam mais eficientes investigação e instrução. Contudo, não foi a realidade concreta vista neste”, decidiu o magistrado.
Essa acusação está na fase de recurso em tribunais superiores.
Jornalista há 11 anos, Geisy Garnes assume a Capivara Criminal e, junto com ela, o compromisso de trazer ao Primeira Página detalhes sobre histórias e personagens de crimes que mobilizaram a sociedade. A coluna tem base em apurações policiais e do Ministério Público, além de processos na Justiça, tudo sob o olhar de quem dedicou anos de profissão ao jornalismo policial.